domingo, 5 de junho de 2011

A Pianist Spy - Capitulo 20

Capitulo 20

  Quando Lauren retornou do almoço, duas dúzias de deslumbrantes rosas vermelhas destacavam-se num vaso sobre a sua mesa. Retirou o cartão do envelope e fitou-o em inescrutável perplexidade. Nele se viam escritas as palavras “Obrigado, querida”, seguidas pela inicial J.
  Quando ergueu os olhos, avistou Bill em pé, parado sob o vão da porta, parecendo despreocupado, apoiado com o ombro na moldura. Mas, ao examiná-lo com mais atenção, viu que nada havia de despreocupado na posição determinada dos maxilares nem na gélida expressão que se desprendia dos olhos mel.
  — De um admirador secreto? — perguntou com sarcasmo. Era o primeiro comentário pessoal que lhe dirigia em quatro dias.
  — Não muito secreto — esquivou-se ela.
  — Quem é ele?
  Lauren retesou-se. Bill parecia tão furioso que ela julgou que não seria sensato dizer o nome de Jim.
  — Não tenho a certeza.
  — Não tens a certeza? — grunhiu Bill. — Com quantos homens com a inicial J tens saído? Quantos deles acham que mereces mais de trinta euros em rosas como forma de agradecimento? 
  — Trinta euros? — repetiu, tão estarrecida com a quantia que esqueceu por completo o óbvio fato de que ele abrira o envelope e lera o cartão.
  — Deves estar a ficar melhor nisso — ele escarneceu com crueldade.
  Por dentro, Lauren sob ressaltou-se, mas ergueu o queixo.
  — Tenho professores muito melhores agora!
  Com um olhar gélido que a varreu da cabeça aos pés, Bill girou nos calcanhares e tornou a entrar no escritório. Pelo resto do dia, deixou-a em completa paz.
  Faltando cinco minutos para as cinco horas, Jim entrou no escritório de Mary, com o pólo cor de mel e equilibrando quatro pedaços de bolo em dois pratos. Largou-os na mesa vazia de Mary e olhou para a porta da sala do Bill.
  — Onde está a Mary? — perguntou.
  — Saiu há quase uma hora — respondeu Lauren. — Pediu-me para avisá-lo de que o extintor de incêndio mais próximo fica ao lado dos elevadores... seja lá o que isso quer dizer. Eu volto já. Tenho de levar estas cartas ao Bill.
  Quando ela se levantou e contornou a mesa, tinha os olhos fixados na correspondência que levava nas mãos, e o que aconteceu em seguida deixou-a tão perplexa que a imobilizou.
  — Sinto a tua falta, querida — declarou Jim, puxando-a para os seus braços.
  Um momento depois, soltou-a tão de repente que a fez recuar cambaleando um passo para trás.
  — Bill! — disse. — Vê o pólo que a Lauren me deu pelo meu aniversário. Ela própria tricotou. E eu também trouxe um pedaço do meu bolo para ti... também feito por ela. — Parecendo alheio ao tempestuoso semblante do amigo, riu e acrescentou: — Preciso retornar lá para baixo. — À Lauren, disse: — Até mais tarde, meu amor.
  E saiu porta afora.
  Em estado de choque, Lauren manteve os olhos fixos em Jim ao sair. Continuava com o olhar perplexo, quando Bill a virou para encará-la.
  — Sua cadelinha vingativa, deste o meu pólo a ele! Que mais Jim recebeu que me pertence?
  — Que mais? — ela repetiu, elevando a voz. — Do que é que estás a falar?
  Bill apertou-a com mais força.
  — O teu corpinho, meu doce. É disso que estou a falar. — A perplexidade de Lauren cedeu à compreensão e depois à fúria:
  — Como te atreves a julgar-me, seu hipócrita! — explodiu, ofendida demais para sentir medo. — Desde que eu te conheci, não paras-te de me dizer que não há nada de promíscuo em uma mulher satisfazer os próprios desejos sexuais com qualquer homem que ela deseje. E agora... — disse quase sufocada de ira — ... e agora, quando achas que eu fiz isso, julgas-me. Logo tu... tu, o representante dos Estados Unidos nos Jogos Olímpicos na modalidade Canalhice!
  Ele soltou-a como se ela o tivesse queimado. Numa voz baixa, perigosamente controlada, ordenou:
  — Sai daqui, Lauren.
  Depois que ela saiu, ele encaminhou-se até o bar e serviu-se um Uísque Cowboy, enquanto a fúria e a angústia lhe contorciam o íntimo como uma centena de serpentes.
  Lauren tinha um amante. Na certa, vários.
  O remorso percorreu-lhe corrosivo o corpo como ácido. Ela deixara de ser aquela tola de olhos luminosos que acreditava que as pessoas deviam estar apaixonadas para fazer amor. Aquele lindo corpo tinha sido explorado de cima a baixo por outros. A sua mente logo evocou atormentadoras imagens de Lauren deitada nua nos braços de Jim.
  Entornou a bebida de um gole e logo serviu outra dose para bloquear a mente da dor e das imagens. Levando o copo até o sofá, sentou-se e apoiou os pés na mesa.
  A bebida aos poucos começou a realizar aquele mágico entorpecimento, e a raiva aplacou-se. Em seu lugar, nada restou, apenas um doloroso vazio.
 
  — O que te deu? — perguntou Lauren a Jim na manhã seguinte.
  Ele riu:
  — Chama-lhe de um impulso incontrolável.
  — Eu chamo-lhe de insanidade! — ela explodiu. — Não podes imaginar como ele ficou furioso. Disse-me coisas horríveis! Eu acho... que o Bill está louco.
  — Está sim — concordou Jim com complacente satisfação.
— Está louco por ti. A Mary também acha. — Lauren revirou os olhos.
  — Vocês estão todos loucos. Tenho de trabalhar com ele lá em cima. Como vou fazer isso?
  Jim deu umas risadas.
  — Com muita, muita cautela — aconselhou.
  Bastou uma hora para ela saber exactamente o que Jim queria dizer, e durante os dias que se seguiram ela começou a sentir-se como se andasse numa corda bamba. Bill passou a trabalhar num ritmo demoníaco, que mantinha todos, desde os executivos de alto escalão aos contínuos, em frenética correria para acompanhá-lo e tentar evitar os seus ataques de raiva.
  Quando os esforços de alguém o satisfaziam, tratava-o com fria cortesia. Mas, se não ficasse satisfeito — o que em geral acontecia —, zurzia o transgressor com uma selvajaria que gelava o sangue de Lauren. Com democrática imparcialidade, Bill espalhava o desprazer por todos, desde as telefonistas até os vice-presidentes, retalhando-os com um sarcasmo cáustico que fazia os últimos e as primeiras chorarem. Executivos de alto nível conversavam em tom confidencial no seu escritório, apenas para retirarem-se às escondidas alguns minutos depois e trocar olhares de advertência com auditores que, por sua vez, saíam apressados, agarrados a folhas de contabilidade e documentos protegidos junto ao peito.
  Na quarta-feira da semana seguinte o clima no octogésimo andar deteriorara para um pânico tumultuado, tenso, que estendia os seus tentáculos de uma divisão à outra, de um andar ao outro. Ninguém ria mais nos elevadores ou cochichava junto às máquinas fotocopiadoras. Apenas Mary Callahan exibia serena impermeabilidade à tensão crescente. De fato, parecia a Lauren que ela ficava cada vez mais alegre a cada hora crocitante que passava. Mas também Mary escapava da navalha cortante da língua de Bill, enquanto os outros não.
  Com Mary, ele era sempre educado, e com Vicky Stewart, que lhe telefonava no mínimo três vezes por dia, mostrava um decidido encanto. Por mais ocupado que estivesse, não importa o que estivesse a fazer no momento, sempre tinha tempo para ela. E todas as vezes em que a namorada ligava, ele pegava o telefone e recostava-se na cadeira. Da sua mesa, Lauren ouvia a rouquidão que vibrava na profunda voz de Bill quando falava com a outra e sentia o coração comprimir-se mais e mais.
  Na noite daquela quarta-feira, Bill tinha uma viagem marcada para Chicago, e Lauren ansiava por vê-lo partir. Após tantos dias de tensão, de ser tratada como se a visão dela o repugnasse, Lauren sentia a compostura desmoronar e reprimia a explosão de raiva e as lágrimas apenas com absoluta força de vontade.
  Às quatro da tarde, duas horas antes da hora de partir, Bill chamou-a até à sala de conferências para que ajudasse Mary a tomar notas durante uma reunião da equipe financeira. Esta já seguia bem avançada quando a voz furiosa dele parou os procedimentos:
  — Anderson! — disse ele, num tom assassino. — Se conseguir tirar os olhos dos seios da senhora Danner, o restante de nós terá condições de terminar esta reunião.
  A tez de Lauren logo ficou vermelha, porém a do idoso Anderson assumiu um matiz roxo, talvez indicativo de um iminente derrame.
  Tão logo o último membro da equipe se retirou em fila da sala de conferências, Lauren ignorou o olhar de advertência de Mary e dirigiu-se furiosa a Bill:
  — Espero que estejas satisfeito! — sibilou enfurecida. — Tu não apenas me humilhaste, mas quase provocaste um ataque cardíaco no coitado daquele senhor. Que planejas fazer ainda?
  — Demitir a primeira mulher que abrir a boca — retrucou Bill em tom frio.
  Contornou-a e saiu a passos largos da sala de conferências. Para lá de indignada, Lauren partiu atrás, mas Mary deteve-a:
  — Não discutas com ele — disse, olhando-o por trás, com um sorriso beatificado no rosto. Parecia que acabara de testemunhar um milagre. — Nesse actual humor, Bill despediria te e depois arrepender-se-ia pelo resto da vida. — Quando Lauren hesitou, ela acrescentou com um ar bondoso: — Ele só vai voltar de Chicago na noite de sexta-feira, o que nos dá dois dias para nos recuperarmos. Amanhã vamos sair para um longo almoço... talvez no Tony's. Nós merecemos.
  Sem a imensa vitalidade de Bill, o conjunto executivo parecia um assombro de tão vazio na manhã seguinte. Embora Lauren dissesse a si mesma que isso era uma paz abençoada e que gostava do ambiente assim, não era verdade.
  Ao meio-dia, ela e Mary foram de carro ao restaurante de Tony, onde Lauren fizera uma reserva por telefone. Um garçom supervisor, com o traje preto formal, achava-se parado á entrada das salas de jantar, mas Tony viu-as e correu ao encontro das duas. Lauren recuou surpresa quando ele envolveu Mary num abraço de urso que quase a levantou dos sapatos bem calçados.
  — Eu preferia quando tu trabalhavas para o pai e o avô do Bill na garagem no fundo da nossa casa — dizia o ítalo-americano. — Nos velhos tempos, pelo menos sempre te via e ao Bill.
  Virou-se para Lauren com um radiante sorriso.
  — Então, minha Laurie, agora já conheces o Bill, Mary e Tony. Estás te tornando parte da família. — Indicou-lhes a mesa, depois tornou a sorrir para a jovem. — Ricco cuidará de ti. Ele acha-te linda... corou quando o teu nome foi mencionado.
  Ricco anotou o pedido das duas e colocou uma taça de vinho diante de Lauren. Mary deu-lhe uma piscadela, mas, quando o rapaz se afastou, olhou directo para a colega e perguntou sem preâmbulos:
  — Gostarias de conversar sobre o Bill? — Lauren engasgou-se com o vinho.
  — Por favor, não vamos arruinar um adorável almoço. Já sei mais do que o suficiente sobre ele.
  — O quê, por exemplo? — insistiu Mary com gentileza.
  — Sei que é um tirano, egoísta, arrogante e mal-humorado!
  — E tu o amas.
  Não era uma pergunta, mas uma afirmação.
  — Sim — Lauren concordou furiosa.
  Via-se que Mary se esforçava para ocultar a diversão com o tom de Lauren.
  — Eu tinha a certeza de que tu o amavas. Também desconfio que ele te ame.
  Tentando dissimular a angustiada esperança que lhe irrompeu no coração, Lauren virou o rosto para a janela de vitral perto da mesa.
  — O que a faz pensar assim?
  — Para começar, Bill não te trata da maneira como trata às mulheres da vida dele.
  — Eu sei disso. Aquele tirano é gentil com as outras — disse ela, ressentida.
  — Exactamente! — concordou Mary. — Sempre tratou as mulheres com uma atitude de divertida indulgência... e tolerante indiferença. Enquanto dura um caso, é atencioso e encantador. Quando uma mulher começa a aborrecê-lo, descarta-a com toda a cortesia, mas também com firmeza. Nem sequer uma vez, a julgar pelo que sei, alguma delas lhe causou emoção mais profunda que afeição ou desejo. Já as vi tentarem provocar ciúmes das formas mais criativas possíveis, mas ele reagia com nada mais forte que divertimento, ou de vez em quando, exasperação. O que nos traz de volta a ti.
  Lauren enrubesceu pelo fato de Mary incluí-la com razão na categoria das outras mulheres que Bill levara para a cama, mas sabia que era inútil negá-lo.
  — Tu — continuou Mary em voz baixa — despertas-te genuína raiva nele. Está furioso contigo e consigo mesmo. Mas não te descarta da vida dele; nem te despacha lá para baixo. Não te parece estranho o fato de ele não te deixar trabalhar para o Jim, e simplesmente mandar que suba para trabalhar como tradutora quando o telefonema de Rossi afinal chegar?
  — Acho que tem me mantido lá por vingança — concluiu Lauren, de semblante fechado.
  — Também acho que seja por isso. Talvez esteja tentando descontar em ti pelo que o faz sentir. Ou é possível que esteja a tentar encontrar defeitos em ti, para não se sentir mais assim. Bill é um homem complexo. Jim, Ericka e eu somos todos muito íntimos dele, e apesar disso ele mantém cada um de nós a certa distância. Uma parte de sua intimidade, ele não partilha nada com outros, nem sequer connosco... Por que me olhas assim com tanta estranheza? — interrompeu-se Mary para perguntar.
  Lauren suspirou:
  — Se estás a bancar a casamenteira, e acho que estás, escolhes-te a mulher errada. Devia conversar com Ericka, não comigo.
  — Não sejas tola... 
  — Viste a matéria de jornal sobre a festa em Harbor Springs algumas semanas atrás? — Lauren desviou o olhar embaraçado do rosto de Mary ao acrescentar: — Eu estava em Harbor Springs com Bill, e ele mandou-me embora porque Ericka ia chegar. Descreveu-a como um “parceiros de negócios”.
  — Ora, ela é! — confirmou Mary, estendendo o braço pela mesa e apertando a mão da colega. — Eles são amigos íntimos e parceiros de negócios... e isso é tudo o que são. Bill faz parte do conselho de directores da empresa do pai dela, que faz parte do conselho de directores da Global. Ela ia comprar ao Bill a casa no Abrigo. Sempre adorou o lugar, e é provável que tenha ido lá fechar o negócio.
  O coração de Lauren alegrou-se com repentino alívio e felicidade, embora a mente a advertisse de que sua situação com o Bill ainda era sem esperança. Pelo menos ele não a levara para a cama da namorada na casa da outra! Esperou enquanto Ricco servia a comida, depois perguntou:
  — Há quanto tempo o conhece?
  — A vida toda. Fui trabalhar como contadora para o pai e o avô dele aos vinte e quatro anos. Bill tinha quatro. O pai morreu seis meses depois.
  — Como era ele na infância?
  Lauren sentiu uma desesperada ansiedade por saber tudo o que pudesse sobre o homem enigmático e vigoroso que se apoderara do seu coração e não parecia querê-lo.
  Mary sorriu nostálgica.
  — A gente chamava-o de Billy, então. Era o mais charmoso diabinho de cabelos escuros que já existiu... orgulhoso como o pai e mimado de vez em quando. Forte, alegre e brilhante... exactamente o tipo de menino que qualquer mãe se orgulharia de ter. Excepto a dele — acrescentou, o rosto entristecido.
  — E como era a mãe dele? — insistiu Lauren, lembrando-se de como ele ficara relutante em falar da mãe em Harbor Springs. — Bill não falou muito sobre ela.
  — Surpreende-me que tenha até mesmo falado. Nunca fala. — O olhar de Mary divagou um pouco quando ela levou o seu pensamento ao passado. — Era uma mulher de extraordinária beleza, além de rica, mimada, indisciplinada e mal-humorada. Parecia um enfeite de árvore de Natal... lindo para a gente olhar, mas frágil e oco por dentro. Bill adorava-a, apesar de todos os defeitos. Logo após a morte do pai do Bill, ela abandonou-o e deixou-o com os avós. Durante os meses depois de ela sair de casa, o pequeno continuava a olhar pela janela, à espera que a mãe voltasse. Sabia que o pai estava morto e que nunca mais o veria, mas recusava-se a acreditar que a mãe tampouco voltaria. Nunca perguntava por ela, apenas a esperava. Eu julguei erroneamente que os avós não a tinham deixado voltar e, com toda a franqueza, culpei-os por isso... fui injusta, como se constatou mais tarde. Então um dia, dois meses antes do Natal, Billy parou de esperar à janela e de repente tornou-se um redemoinho de actividade. Aquela altura, fazia quase um ano que o pai havia morrido. A mãe havia-se casado de novo, acabara de ter um bebé. De qualquer modo, o menino tornou-se um feixe de energia; fazia qualquer tarefa que imaginava que lhe rendesse um centavo. Economizou todo o dinheiro que ganhou e, uns quinze dias antes do feriado natalício, convenceu-me a levá-lo às compras para um presente extra especial. Achei que ele procurava um presente para a avó, pois arrastou-me loja adentro, em busca de alguma coisa que fosse “simplesmente perfeita para uma dama”. Só mais tarde descobri que ele queria comprar um presente de Natal para a mãe. Na secção de pechinchas de uma enorme loja de departamentos no centro da cidade, Billy encontrou afinal o tal presente extra especial... uma linda caixinha esmaltada para comprimidos, de preço remarcado para uma pequena parte do que deveria ter custado. Ficou extasiado, e aquele entusiasmo foi contagiante. Em cinco minutos, havia seduzido o vendedor para que a embrulhasse, e me convencido a levá-lo até a casa da mãe para lhe entregar o presente.
  Mary olhou para Lauren com olhos marejados de lágrimas.
  — Ele... ele pretendia subornar a mãe, a fim de fazê-la voltar para ele, só que eu não percebi isso. — Engoliu em seco e continuou: — Apanha-mos o autocarro para Grosse Pointe, e Billy ficou tão nervoso que mal conseguia sentar-se quieto. Pediu-me para verificar se tinha os cabelos e as roupas bem arrumados. “Estou bem apresentado, Mary?”, continuou a perguntar-me sem parar. Encontramos a casa sem a menor dificuldade... uma propriedade palaciana que havia sido magnificamente decorada para o Natal. Eu ia tocar à campainha, mas Billy pôs a mão no meu braço. Baixei os olhos e jamais vi uma criança com a aparência tão desesperada. “Mary”, ele disse “tens a certeza que estou bem para ver a minha mãe?”
  Mary virou o rosto para a janela do restaurante e a sua voz saiu trémula:
  — Parecia tão vulnerável, e era um menino tão bonito. Com toda a honestidade, acreditei que se a mãe o visse, perceberia que a criança precisava dela e pelo menos o visitaria de vez em quando. De qualquer modo, um mordomo fez-nos entrar e levou-nos a uma linda sala de estar com uma enorme árvore de Natal que parecia ter sido decorada para a vitrina de uma loja. Mas o Bill nem notou. Só fitava a brilhante bicicleta vermelha com o grande laço de fita ao lado da árvore, e o seu rosto iluminou-se. “Estás a ver, Mary? Eu sabia que a minha mãe não ia se esquecer de mim. Só estava à espera que eu viesse visitá-la.” Estendeu a mão para tocar o presente, e a empregada, que tirava o pó da sala, quase lhe arrancou a cabeça com uma tapa. A bicicleta, disse, era para o bebé. Billy retirou a mão como se a tivesse queimado. Quando a sua mãe desceu finalmente, as primeiras palavras ao filho foram: “O que é queres, Bill?” Billy deu-lhe o presente e explicou que o havia escolhido sozinho. Quando ela ia colocá-lo em baixo da árvore, ele insistiu que ela o abrisse logo...
  Mary precisou enxugar os olhos para concluir:
  — A mãe dele abriu o pacote, olhou a elegante caixinha e declarou: “Não tomo comprimidos, Bill... tu sabes disso.” Entregou-a à empregada que espanava a sala e disse: “Mas a senhora Edwards toma. Sei que fará bom uso.” Billy viu o presente ir para o bolso da empregada, e então desejou com toda a educação: “Feliz Natal, senhora Edwards.” Olhou para a mãe e avisou: “Mary e eu temos de ir embora agora.” Nada disse até chegarmos ao ponto do autocarro. Eu vinha a combater as lágrimas o caminho todo, mas o rosto do Bill estava... sem expressão. Enquanto esperávamos o autocarro, virou-se para mim e retirou a mão da minha. Numa solene voz infantil, declarou: “Não preciso mais dela, Mary. Já sou um menino grande. Não preciso de mais ninguém.”
  A voz de Mary tremeu:
  — Foi a última vez que ele me deixou segurar a sua mão. — Após um momento de doloroso silêncio, continuou: — Daquele dia em diante, que eu saiba, jamais comprou um presente para uma mulher... a não ser para a avó e para mim. Segundo o que Ericka tem ouvido das namoradas dele, Bill é de uma extravagante generosidade com o seu dinheiro, mas nunca lhes dá presentes, não importa qual seja a ocasião. Dá dinheiro, em vez disso, e manda que escolham algo de que gostem; não se importa que sejam jóias, peles ou qualquer outra coisa. Mas não os compra sozinho.
  Lauren lembrou-se dos lindos brincos que ele lhe dera, e da forma cheia de desprezo com que o informou não querê-los. Sentiu o coração mudar de direcção.
  — Por que a mãe iria querer esquecê-lo, fingir que ele não existia?
  — Só posso tentar imaginar. Ela era de uma das famílias mais proeminentes de Grosse Pointe: uma aclamada beldade, a rainha do baile de debutantes. Para pessoas assim, as linhagens significam tudo. Têm dinheiro; portanto, o status social baseia-se no prestígio das ligações familiares. Quando se casou com o pai do Bill, passou a ser uma proscrita da própria classe. Hoje isso mudou... o dinheiro é o próprio status. Bill frequenta os círculos sociais da mãe agora e ofusca-a, a ela e ao marido dela. Claro, ser bonito, além de bilionário, não o prejudica nem um pouco. De qualquer modo, nos primeiros dias, Bill deve ter sido um lembrete vivo de sua queda da graça social. Ela não o queria por perto, nem o padrasto o queria. Tu terias de conhecer a mulher a fim de compreender tanta falta de compaixão, tão completo egoísmo. A única pessoa que importa para ela, além de si mesma, é o meio-irmão do Bill... a quem, sem a menor dúvida, ela ama cegamente.
  — Vê-la deve ser doloroso para o Bill.
  — Não creio. No dia em que ela deu o presente dele à empregada, o seu amor pela mãe morreu. Ele próprio o matou, cuidadosa e completamente. Embora tivesse apenas cinco anos, teve a força e a determinação que lhe permitiram fazer isso.
  Lauren sentiu um desejo simultâneo e intenso de estrangular a mãe de Bill, e de encontrá-lo e dar-lhe generosamente o seu próprio amor, quisesse ele ou não.
  Justo nesse momento, Tony materializou-se à frente da mesa e entregou a Mary um pequeno pedaço de papel com um nome.
  — Recebeu um telefonema desse homem. Disse que precisa de alguns documentos que se encontram no teu escritório.
  Mary deu uma espiada no bilhete.  
  — Acho que terei de voltar, minha querida; fica e termina o teu almoço.
  — Por que não comeram a massa? — Ele dirigiu às duas uma expressão acusadora. — Não está saborosa?
  — Não é isso, Tony — explicou Mary, colocando o guardanapo na mesa e estendendo o braço para pegar a bolsa. — Eu estava a falar à Lauren de Simone Whitworth, e isso arruinou o nosso apetite.
  O nome rugiu nos ouvidos de Lauren e martelou-lhe o cérebro. Um grito silencioso de negação subiu pela garganta, cortando-lhe a respiração assim que tentou falar:
  — Laurie? — Preocupado, Tony apertou-lhe o ombro quando a viu continuar a olhar fixo, em paralisado horror, para as costas de Mary, que se retirava.
  — Quem? — sussurrou frenética. — Quem Mary disse?
  — Simone Whitworth. A mama do Bill.
  Lauren ergueu os perplexos olhos azuis para ele.
  — Ó meu Deus — exalou rouca. — Ó meu Deus, não!

*Continua no proximo capitulo*

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Matem-me ou ao Bill (a)
muahahhahah:L
<33

Phi'K

4 comentários:

  1. Coitadinho do Bill :3
    Afinal tem desculpa para ser assim...
    Oh Phi eu não mato nenhum porque gosto dos dois! x)
    Mais :)

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  2. Phizinha desculpa chatear mas quero mais. Estou apaixonada por este enredo e quero saber tudo o que vai acontecer.
    Adoro os capítulos gigantes!!!

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  3. Já nem sei se comentei se não o.O
    De qualquer das maneiras estou aqui xP
    Está lindo +.+
    Beijinhos

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  4. Só não digo nada porque sei que tens muito que fazer...
    Beijinhos <3

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