quarta-feira, 1 de agosto de 2012

A Pianist Spy - Capitulo 27 (Ultimo)


Capitulo 27
-Ultimo-


  — Senhor Kaulitz — a secretária em Chicago curvou-se ao lado de Bill e reduziu a voz a um sussurro, para evitar incomodar os outros grandes industriais americanos sentados ao redor da mesa de conferências, que discutiam os detalhes finais de um acordo de comércio internacional. — Lamento incomodá-lo, mas o Senhor James Williams está ao telefone e quer falar com o senhor.
  Bill assentiu com a cabeça e deslizou a cadeira para trás. Sete homens ergueram os olhos e encararam-no em irritada acusação. A não ser em questões de extrema urgência, nenhum deles recebia telefonemas. Durante o último encontro, e agora nesse, apenas Bill recebera uma ligação urgente, e na última vez a reunião teve de ser cancelada e uma nova data marcada porque ele os abandonara de repente.
Bill saiu da sala, oprimido pela lembrança da última vez que Jim o interrompera nessa reunião. Naquela ocasião, Jim inventara uma desculpa muito tola para telefonar, com a intenção de dizer que Lauren se demitira.
  — Sim, que foi? — perguntou ele, furioso com a lembrança dela e da dor que sempre acompanhava essa lembrança.
  — Está a acontecer uma enorme comemoração aqui no departamento de Engenharia — começou Jim, a voz hesitante e confusa. — Bill, embora Lauren tenha dado a Gordon as cópias das nossas quatro propostas, acabamos de ganhar dois dos quatro contratos. Os concorrentes com lances inferiores dos dois outros contratos ainda não foram anunciados. — Parou, evidentemente à espera de resposta. — Não consigo entender o que aconteceu... O que é que achas?
  — Acho — rosnou Bill — que aquele canalha idiota não é inteligente o bastante para ganhar uma rodada de pôquer nem com um baralho de cartas marcadas.
  — Gordon é desonesto, ardiloso e qualquer outra coisa, menos idiota — contestou Jim. — Acho que vou ver o arquivo com Jack Collins na segurança e verificar os números que Lauren...
  — Eu já disse o que quero que faça — interrompeu-o Bill, a voz baixa, letal. — Independentemente de quem ganhe os dois contratos restantes, quero que a K’s entre na concorrência de qualquer projeto que Gordon entre, e quero que ponha uma quantia inferior ao nosso custo, se necessário. Quero aquele canalha fora do mercado em um ano!
  Desligou o telefone e voltou à sala de conferências. O presidente do comitê olhou-o com reprovação mal disfarçada pela interrupção.
  — Agora, podemos recomeçar?
  Bill balançou a cabeça numa brusca afirmativa. Votou com todo o cuidado nas três questões seguintes, mas quando a manhã foi passando e a tarde chegando; a tarde escurecendo, dando início à noite, tornou-se cada vez mais difícil pensar em outra coisa senão em Lauren. A neve caía do lado de fora das janelas do arranha-céu de Chicago enquanto a reunião tinha seguimento, e a voz indignada de Tony retornou-lhe à mente... “Colocaste-a na rua sem casaco, dinheiro, sem nada, e ela telefonou para Whitworth? Não, andou oito quadras no frio e na chuva para desabar nos meus braços.”
“Oito quadras! Por que os guardas não a haviam deixado voltar para agarrar o casaco?” Lembrou-se da fina blusa que ela vestia, porque a desabotoara com toda a intenção de expô-la e degradá-la, exatamente como acontecera. Lembrou-se da absoluta perfeição dos seios macios, a incrível suavidade da pele, o refinado gosto dos lábios, a forma como o beijara e agarrara-se a ele...
  — Bill — interpelou-o o presidente com severidade. — Suponho que seja a favor dessa proposta.
  Bill desprendeu os olhos das janelas. Não tinha a menor ideia de qual proposta debatiam.
  — Eu gostaria de saber mais do que se trata antes de decidir — disfarçou.
  Sete rostos surpresos se voltaram para ele.
  — É a sua proposta, Bill — repreendeu o presidente. — Você escreveu-a.
  — Então é claro que sou a favor — ele informou-os num tom frio.
  O comitê jantou em grupo num dos mais elegantes restaurantes de Chicago. Tão logo terminou a refeição, Bill pediu de repente licença para retornar ao hotel. A neve caía em flocos espessos, polvilhava-lhe o sobretudo de cashmere cor de canela e grudava-se na cabeça descoberta enquanto ele percorria a avenida Michigan de Chicago, lançando olhares desinteressados às lojas exclusivas onde as vitrinas com brilhante iluminação haviam sido decoradas para o Natal.
  Enfiou as mãos nos bolsos e amaldiçoou Jim por telefonar-lhe aquela manhã para falar de Lauren, e a ela própria por entrar em na sua vida. Por que ela não ligara para Whitworth para ir buscá-la quando os guardas a retiraram à força do prédio da K’s? Por que caminhara oito quadras naquela temperatura congelante para ir ao encontro de Tony?
  Depois que a magoara e degradara, por que chorara aos seus pés como um anjo inconsolável? Bill parou para pegar um cigarro do maço e enfiou-o na boca. Curvando a cabeça, envolveu as mãos em torno da chama e acendeu-o. A voz de Lauren flutuava-lhe na mente, sufocada por soluços muito pesarosos. “Eu amo-te tanto”, chorara. “Por favor, ouve-me... Por favor, não faças isso connosco...”
  Fúria e dor colocaram-no em chamas. Ele não podia aceitá-la de volta, lembrou a si mesmo com violência. Jamais a aceitaria de volta.
  Dispunha-se a acreditar que Whitworth a chantageara para passar-lhe as quantias propostas. Dispunha-se até a acreditar que ela não lhe contara sobre o projeto Rossi. Afinal, se tivesse contado, os homens de Whitworth não teriam procurado em toda a aldeia fazendo perguntas sobre Bill... teriam perguntado sobre Rossi. Parece que nem sabiam o nome do químico. Mesmo que o encontrassem, não teria importância. Os testes de laboratório haviam provado que a fórmula de Rossi tinha apenas uma fração da eficácia que afirmara o sujeito, além de ser irritante à pele e aos olhos.
  Bill parou no sinal da esquina, onde viu um homem vestido numa fantasia vermelha brilhante de Pai Natal em pé ao lado de um pote de ferro preto e a tocar um sino. O Natal nunca fora uma ocasião muito agradável para ele. Era uma festa que, sem exceção, fazia com que se lembrasse da visita que fizera à mãe na infância; de fato, jamais pensava nela, a não ser na época natalina.
  Carros passavam por ele, os pneus triturando a neve fresca. Este Natal poderia ter sido diferente; poderia ter sido um começo. Levaria Lauren à Suíça. Não... Passaria em casa com ela. Acenderia um crepitante fogo na lareira e os dois poderiam iniciar as próprias tradições. Fariam amor diante do fogo, com as luzes da árvore de Natal cintilando na pele acetinada dela...
  Furioso, Bill desligou a mente desses pensamentos e atravessou a rua de forma temerária, ignorando as buzinas que troavam protestos, e os faróis que avançavam em sua direção. Não haveria Natais com Lauren. Desejava-a com bastante desespero para perdoá-la por quase tudo, mas não podia, não queria perdoar nem esquecer o fato de que ela o traíra com a mãe e o padrasto. Talvez com o tempo a perdoasse por ter conspirado contra ele, mas não com os Whitworth. Jamais com eles.
  Bill enfiou a chave nas portas duplas da suíte no último andar.
  — Onde, raios, é que andou? — perguntou Jim do sofá no qual se refestelara com os pés apoiados numa antiga mesa de centro. — Vim falar das propostas que Lauren passou ao Gordon.
  Bill despiu o sobretudo, furioso por ter a suíte invadida, a intimidade infringida e em especial por ser forçado — mesmo pelo momento que ia levar para fazer o amigo dar o fora dali — a falar mais uma vez sobre Lauren.
  — Eu já disse — saiu a mesma voz baixa, letal — que quero o Gordon fora do mercado, e também já disse como quero isso feito. Quando explicou sua participação como cúmplice dela, eu desculpei, mas não irei...
  — Não precisas te preocupar em pôr o Gordon Whitworth fora do mercado — interrompeu Jim, tranquilo, quando o outro avançou em sua direção. — Lauren está a fazer isso por ti. — No sofá ao lado, pegou as cópias das propostas originais e as alteradas que Lauren fizera para dar a Whitworth. — Ela mudou os números, Bill — declarou sombrio.
 
  A reunião do comitê de comércio internacional reiniciou os debates às nove horas em ponto na manhã seguinte. O presidente do comitê olhou para os seis homens sentados ao redor da mesa de conferências.
  — Bill Kaulitz não comparecerá hoje — informou ao grupo com expressão tempestuosa. — Pediu-me que expressasse seu pesar e explicasse que foi convocado de volta para resolver um problema urgente.
  Em uníssono, seis rostos indignados se voltaram para encarar com impotente hostilidade a cadeira vazia do membro ausente.
  — Da última vez, foi um problema de relações trabalhistas. Qual é o problema de Kaulitz agora? — perguntou um homem de queixo duplo, irritado.
  — Uma fusão de empresas — respondeu o presidente. — Ele disse que ia tentar negociar a mais importante fusão empresarial da sua vida.

  Um novo tapete de neve cobria Fenster, no Missouri. Esse cenário trouxe a Bill a lembrança muito dolorosa do pudor inicial de Lauren em relação a sexo.
  Ajudado pelas indicações que um velho taciturno lhe dera poucos minutos antes, ele não teve a menor dificuldade para encontrar a rua tranquila onde Lauren fora criada. Encostou o carro diante de uma modesta casa de estrutura branca com um balanço na varanda e um enorme carvalho no jardim da frente, e desligou a ignição do carro que alugara no aeroporto cinco longas horas antes.
  A viagem lenta e traiçoeira pelas rodovias cobertas de neve fora a parte fácil; enfrentar Lauren ia ser a difícil.
  Bateu à porta e foi logo atendido por um jovem magro, porém musculoso, de vinte e poucos anos. O coração do recém-chegado afundou. Jamais, mesmo nas piores imaginações durante o trajeto até ali, lhe passara pela mente a possibilidade de ela ter outro homem.
  — O meu nome é Bill Kaulitz — disse e viu o curioso sorriso do jovem mudar para franca animosidade. — Eu gostaria de ver Lauren.
  — Sou o irmão dela — respondeu o rapaz — e ela não o quer ver.
  Irmão! Ao momentâneo alívio de Bill, seguiu-se um impulso absurdo de esmagar-lhe o rosto por ele ter roubado as mesadas de Lauren quando ela era menina.
  — Vim vê-la — declarou num tom implacável — e se tiver de passar por cima de si para chegar até ela, eu farei isso.
  — Acho que está a falar sério, Leonard — interveio o pai de Lauren, chegando ao vestíbulo, o dedo num livro fechado que estivera lendo.
  Por um longo momento, Robert Danner examinou o homem alto, indômito, no vão da porta, com os penetrantes olhos observando os vincos de extenuação e tensão gravados fundo nas feições do visitante. Um fraco e relutante sorriso suavizou a linha severa da boca do senhor Danner.
  — Leonard — disse tranquilamente —, que tal a gente dar ao senhor Kaulitz cinco minutos com a Lauren, para ver se ele consegue fazê-la mudar de ideia. Ela está na sala — acrescentou, inclinando a cabeça para trás na direção dos alegres cânticos de Natal que saíam do estéreo.
  — Cinco minutos e só — grunhiu Leonard, seguindo direto atrás de Bill, que se virou para ele.
  — Sozinho — declarou com determinação.
  O rapaz abriu a boca para se opor, mas o pai interveio de novo:
  — Sozinho, Leonard.
  Bill fechou em silêncio a porta da alegre salinha, avançou dois passos e parou, com o coração martelando descontrolado no peito.
  Em cima do degrau de uma escada portátil, Lauren pendurava enfeites cintilantes nos galhos superiores de uma árvore de Natal. Comoveu-o ao extremo vê-la parecer tão jovem, de calça de ganga justa, camisola verde-claro, e tão linda com os cabelos que lhe caíam em ondas cor de mel queimado sobre os ombros e as costas.
  Ele sentiu um ansioso desejo de puxá-la da escada para os seus braços, levá-la até o sofá e perder-se nela, beijá-la, abraçá-la, e curar com o corpo, as mãos e a boca a dor dela.
  Descendo da escada, Lauren ajoelhou-se para pegar mais enfeites na caixa ao lado dos festivos pacotes embrulhados sob a árvore. Pelo canto dos olhos, vislumbrou um par de sapatos masculinos.
  — Lenny, o teu ritmo de trabalho é fantástico — provocou, em voz baixa. — Eu já terminei. Achas que a estrela fica bonita em cima ou eu devo ir ao sótão agarrar o anjo?
  — Deixa a estrela em cima — respondeu uma voz grave, que desprendia dolorosa delicadeza. — Já há um anjo na sala.
  Lauren girou a cabeça de repente, o seu olhar cravado no homem alto e solene parado a poucos passos. A cor esvaiu-se do seu rosto quando a sua mente registrou a determinação esculpida em cada feição masculina, desde as retas sobrancelhas escuras á dura projeção do queixo e do maxilar. De cada linha daquele corpo multas vezes lembrado emanavam riqueza, poder e o mesmo irresistível magnetismo de que Lauren fugia nos sonhos à noite.
  As mesmas feições que lhe haviam ficado gravadas a fogo na mente; lembrava perfeitamente. Também lembrava a última vez que o vira: achava-se ajoelhada então como agora... chorando aos pés dele. Humilhação e fúria fizeram-na levantar-se de um salto.
  — Saia daqui! — fulminou, cega demais pelo próprio tormento para ver o remorso torturado, a dor que escurecia os olhos cinza.
  Em vez de sair, ele adiantou-se na direção dela, que recuou um passo e manteve-se firme, o corpo todo tremendo com explosiva violência. Bill estendeu-lhe a mão, e Lauren girou o braço, dando-lhe com toda a força uma chapada no rosto.
  — Eu o mandei sair! — Sibilou. Como ele não se mexeu, Lauren levantou de novo a mão numa ensandecida ameaça: — Que o Diabo o carregue! Fora daqui!
  Ele ergueu o olhar para a palma da mão levantada.
  — Vai em frente — disse, com delicadeza.
  Tremendo de raiva, frustrada, ela baixou com força a mão, passou os braços ao redor da barriga e deslocou-se de lado para escapar, tentando contornar a árvore, afastar-se dele e sair da sala.
  — Lauren, espera... — Bill interpôs-se no caminho e estendeu a mão para alcançá-la.
  — Não me toque! — Gritou ela e encolheu-se como uma louca para longe da mão estendida.
  Continuou seguindo de lado para dar os três passos restantes que lhe possibilitariam contorná-lo e sair da sala.
  Bill estava disposto a permitir-lhe fazer qualquer coisa, qualquer coisa com ele, menos abandoná-lo. Isso não podia permitir.
  — Lauren, por favor, deixa-me...
  — Não! — ela gritou histérica. — Fique longe de mim! — Tentou correr e Bill segurou-a pelos braços. Virou-se para ele como uma gata selvagem, demente, aos prantos, lutando com ferocidade e agredindo-o.
  — Seu estupido! — gritou de dor, enlouquecida e histérica, dando-lhe socos no peito e ombros. — Seu estupido! Eu implorei de joelhos!
  Bill precisou de toda a sua força para segurá-la, até Lauren acabar por extravasar a fúria e desabar contra ele, o corpo esbelto fustigado por violentos soluços.
  — Fizeste-me implorar... — chorava, o pranto fragmentado, nos braços dele — ... Fizeste-me implorar.
  As lágrimas varavam o coração de Bill, e as palavras cortavam-no como facas. Segurava-a, fitando sem ver à frente, lembrava-se da linda e risonha rapariga que entrara na sua vida e virara-a de cabeça para baixo com o sempre radiante sorriso.
  “O que me acontece se esta sandália se encaixar?”
  “Eu transformo-o num belo sapo.”
  O remorso aguilhoou os olhos de Bill, obrigando-o a fechá-los.
  — Perdoa-me — sussurrou enrouquecido. — Eu sinto muito, muito mesmo.
  Lauren sentiu a dor brutal naquela voz, e sentiu a parede de entorpecimento congelado que erguera ao redor de si começar a derreter-se. Lutou para bloquear da mente a extraordinária beleza de estar mais uma vez nos braços dele, de ser apertada contra aquele corpo grande e forte.
  Nas solitárias semanas de noites insones e dias de desolada raiva, chegara à tranquila conclusão de que Bill tinha um incurável cinismo e insensibilidade. O abandono da mãe fizera-o dessa forma, e nada do que ela tentasse fazer jamais conseguiria mudá-lo. Ele sempre continuaria a excluí-la da sua vida e a afastar-se friamente dela, porque nunca a amaria de verdade.
  Aprendera aos cinco anos que não confiaria o coração a uma mulher. Ofereceria a Lauren o corpo, a afeição... Porém, nada além disso. Nunca se permitiria deixar-se mais uma vez inteiramente vulnerável.
  No momento, Bill deslizava as mãos pelas suas costas, acima e abaixo, num gesto de impotente conforto, espalhando calor em todos os lugares onde a tocava. Juntando os últimos vestígios de autocontrolo, Lauren libertou-se com firmeza do domínio dos braços dele.
  — Estou bem agora. A sério. — Dirigiu o olhar aos insondáveis olhos dele e pediu com toda a calma: — Quero que vás agora, Bill.
  Ele enrijeceu o maxilar e retesou o corpo todo ao ouvir a objetividade tranquila e mortal naquela voz, mas, em vez de ir embora, pareceu bloquear aquelas palavras da mente, como se ela houvesse falado numa língua que ele não entendia. Ainda com os olhos cravados nos dela, enfiou a mão no bolso do casaco e retirou uma caixa embrulhada em papel prateado.
  — Comprei um presente para ti — disse.
  Lauren encarou-o.
  — Como?
  — Toma. — Entregou-a, erguendo-lhe a mão e pondo a caixa ali. — É um presente de Natal. Para ti... por favor, abre logo.
  As palavras de Mary de repente ressoaram pela mente de Lauren, cujo corpo começou a tremer todo. “Ele pretendia subornar a mãe, a fim de fazê-la voltar para ele... Deu-lhe o presente... e insistiu que o abrisse logo...”
  — Abre-o agora, Lauren — pediu ele.
   Teve o cuidado de manter o rosto inexpressivo, mas ela viu o desespero nos olhos dele, a rígida tensão nos vigorosos ombros e soube que Bill esperava que ela rejeitasse o seu presente. E a ele.
  Lauren desprendeu os olhos daquele olhar e, trêmula, retirou o papel prateado do estojo de veludo, que exibia o nome em discreto relevo de uma joalharia de Chicago, seguido pelo de um hotel da mesma cidade. Abriu o fecho. O leito de veludo branco na base continha um espetacular pingente de rubi circundado por uma fileira de diamantes estonteantes. O magnífico pingente tinha, fácil, o tamanho de uma caixinha de comprimidos.
  Tratava-se de um suborno.
  Pela segunda vez na vida, Bill tentava subornar uma mulher para fazê-la voltar. Lágrimas de ternura encheram os olhos de Lauren e um afeto imenso transpassou-lhe o coração.
  A voz dele saiu rouca e embargada, como se as palavras lhe fossem arrancadas:
— Por favor — sussurrou. — Por favor... — Puxou-a para os braços, esmagou-a contra seu magro e forte corpo e enterrou o rosto nos cabelos dela. — Ah, por favor, querida...
  As defesas de Lauren desmoronaram por completo.
  — Eu amo-te! — ela disse, com a voz entrecortada, enlaçou os braços com força no pescoço dele, deslizou as mãos pelos músculos retesados dos ombros e afagou os volumosos cabelos escuros.
  — Comprei brincos para ti também — seduziu-a, ainda com a voz rouca e urgente. — Comprarei um piano... disseram na faculdade que eras uma pianista talentosa. Gostarias de um de cauda ou preferes um de...
  — Não faças isso! — gritou angustiada quando se ergueu nas pontas dos pés e silenciou-o com os lábios.
  Um tremor percorreu o corpo de Bill, que a abraçou, abrindo com a sua boca a dela com desesperada ânsia, moveu as mãos pelas costas e a lateral dos seios, e depois as desceu mais, puxando os quadris para grudá-los nos seus, como se quisesse absorver com o seu corpo o dela.
  — Senti tanto a tua falta — sussurrou, tentando suavizar o beijo, movendo a boca nos lábios separados dela com uma ânsia afetuosa, enternecedora, quando afundou devagar a mão nos espessos cabelos na nuca. Mas o controle desfez-se quase no mesmo instante, e com um gemido Bill apertou a mão e mergulhou a língua na boca de Lauren com urgência feroz, compulsiva.
  Ela retribuiu-lhe o beijo com todo o amor dolorido, que lhe irrompia do coração, arqueando-se mais para perto dele e segurando-o colado a si.
  Um infindável tempo depois, retornou à realidade, os braços ainda enlaçados nele, a face apertada contra o violento martelar do coração dele.
  — Eu amo-te — sussurrou ele e, antes que ela pudesse responder, continuou numa voz que era em parte suplicante e em parte provocante: — Tens de casar comigo. Acho que acabei de ser excluído da votação no comitê de comércio internacional... os participantes consideram-me instável. E o Tony riscou-me da lista dele. Mary disse que se demitirá se eu não a levar de volta. Ericka encontrou os brincos que eram da tua mãe e entregou-os ao Jim, que me pediu para lhe dizer que não vai devolvê-los a ti, a não ser que voltes para eles...

***
  Minúsculas luzes coloridas cintilavam da árvore de Natal na imensa sala de estar. Estendido no tapete diante da lareira, Bill embalava a esposa adormecida na dobra do braço e contemplava a luz do fogo que dançava nas ondas revoltas dos cabelos espalhados pelo seu peito nu. Já eram casados fazia três dias.
  Lauren mexeu-se, aproximando-se mais dele, em busca de calor. Com cuidado para não incomodá-la, puxou a colcha de cetim em volta dos ombros dela. Reverente, tocou-lhe a face com o dedo, traçando a elegante curva. Lauren trouxera-lhe alegria à vida e risos ao lar. Achava-o lindo e, quando o olhava, ele se sentia lindo.
  Em algum lugar, em outra parte da imensa casa, um relógio começou a soar meia-noite. As pálpebras de Lauren adejaram e ela despertou. Bill olhou dentro daqueles fascinantes olhos azuis.
  — É Natal — sussurrou.
  A sua esposa sorriu-lhe e as suas palavras causaram-lhe um aperto na garganta:
  — Não — disse ela baixinho, envolvendo os dedos no queixo de Bill. — Já é Natal há três dias.

-Fim-

segunda-feira, 4 de junho de 2012

A Pianist Spy - Capitulo 26 (Penúltimo)


Capitulo 26


  Lauren acordou numa confortável cama quente e abriu os olhos para um quarto encantadoramente incomum, mas desconhecido. Sentiu a cabeça martelar furiosamente quando se esforçou para erguer-se, apoiando-se nos cotovelos, e olhar em volta. Estava na casa acima do restaurante, e a jovem esposa de Joe pusera-a na cama após um banho e uma refeição quentes. Não morrera da exposição às intempéries, percebeu. Que deceção... que anticlímax, concluiu com humor mórbido. O corpo doía-lhe como se tivesse sido espancada.
  Perguntou-se quando Bill iria descobrir que ela mudara os números nas propostas. Se qualquer um dos quatro contratos fosse concedido à K’s, Bill sem a menor dúvida se perguntaria como isso podia ter acontecido. Iria perguntar-se por que Gordon não entrara na concorrência com uma quantia menor do que a da K’s, e talvez comparasse as cópias que ela dera a Gordon com as originais.
  Por outro lado, também existia sempre a possibilidade de que outras empresas além da K’s e Whitworth ganhassem a concorrência dos contratos, caso em que Bill continuaria acreditando que ela o traíra.
  Lauren empurrou as pesadas mantas e desceu vagarosamente da cama. Sentia-se enjoada demais para se importar com o que quer que acontecesse.
  Sentiu-se ainda pior quando, alguns minutos depois, entrou na cozinha da família e ouviu Tony ao telefone. Todos os filhos achavam-se sentados à mesa.
  — Mary — ele dizia, o rosto vincado em linha severas —, aqui é o Tony. Deixa-me falar com Bill.
  O coração de Lauren disparou, mas era tarde demais para impedi-lo, porque Tony já se lançava num monólogo sem fim:
  — É melhor vir até aqui. Alguma coisa aconteceu a Laurie. Chegou ontem aqui quase congelada. Não tinha casaco, bolsa, nada. Não quis dizer o que aconteceu. Não deixou que nenhum de nós a tocasse, a não ser... Como? — A expressão dele ficou furiosa. — Não use esse tom de voz comigo, Bill! Eu... — Ficou imóvel por um momento, ouvindo fosse lá o que Bill dizia, depois afastou o fone do ouvido e olhou-o como se tivessem acabado de nascer dentes no aparelho. — Bill desligou na minha cara — informou aos filhos.
  O olhar pasmo dele encontrou Lauren parada, hesitante, no vão da porta.
  — Bill disse que tu roubas-te informação dele, que és a amante do padrasto dele — contou. — Nunca mais quer ouvir o teu nome, e se eu tentar falar com ele sobre ti de novo, vai mandar o banco executar a minha hipoteca do empréstimo que me deram para as melhorias do restaurante. Bill disse tudo isso a mim... falou comigo assim! — Repetiu, com a expressão descrente.
  Lauren adiantou-se, o rosto pálido de remorso.
  — Tony, você não sabe o que aconteceu. Não entende.
  — Mas entendo a forma como ele falou comigo — respondeu, com os maxilares cerrados. Ignorando-a, voltou-se ao telefone e discou com furiosa decisão. — Mary — disse no aparelho —, ponha o Bill de novo na linha, já. — Parou, enquanto parecia que Mary dirigia uma pergunta a Bill. — É — respondeu —, pode apostar a vida que é sobre Laurie. Como? Sim, ela está aqui.
  Entregou o telefone a Lauren, a expressão tão furiosa e magoada que ela se sentiu mal.
  — Bill não quer falar comigo — explicou —, mas a Mary quer falar contigo.
  Com uma mistura de esperança e medo, Lauren disse:
  — Estou, Mary?
  A voz de Mary parecia um pingente de gelo:
  — Lauren, já fizeste muito mal àqueles que foram tolos demais para confiar em ti. Se tem alguma decência, mantem o Tony fora disto. O Bill não fez ameaças sem propósito... Pretende cumprir o que disse ao Tony. Está bem claro?
  Lauren engoliu um bolo de desolação na garganta.
  — Perfeitamente claro.
  — Bom. Então sugiro que fiques onde estás durante a próxima hora. O nosso advogado entregar-te-á as tuas coisas e explicará a tua situação legal. Íamos notificar-te por intermédio de Gordon Whitworth, mas assim será imensamente melhor. Adeus, Lauren.
  Lauren afundou numa cadeira à mesa, envergonhada demais para olhar os homens que agora a encarariam com a mesma ressentida condenação que Jim e Mary lhe haviam demonstrado.
  Tony apertou-lhe o ombro com uma das mãos, para reconfortá-la, e ela sorveu uma inspiração longa e instável.
  — Partirei assim que o advogado chegue com a minha mala — disse e ergueu com dificuldade o olhar.
  Em vez de desprezá-la, os rapazes e Tony olhavam-na com impotente compaixão. Após tudo que lhe acontecera, sentia-se mais capaz de lidar com animosidade do que com bondade, e a solidariedade deles oprimiu-lhe o coração, enfraquecendo a represa que refreava as suas emoções.
  — Não me peçam para explicar — sussurrou. — Se eu fizesse isso, vocês não iam acreditar em mim.
  — Acreditaríamos sim! — Respondeu Dominic com violento rubor. — Eu estava em pé atrás da divisória do espaço onde são mantidos os bules de café e ouvi cada palavra que... aquele porco disse no almoço, mas não sabia o nome dele. Papa reconheceu-o e veio ficar ao meu lado, pois queria saber por que almoçarias com alguém que Bill odeia.
  Lauren perdeu mais um pouco da compostura, com os olhos sendo assaltados por lágrimas, mas piscou forte, repelindo-as, e disse com um sorriso trêmulo:
  — O serviço deve ter sido terrível com vocês dois a cuidar de mim.
  Antes de conhecer Bill, havia anos que não chorava. Depois da última noite não haveria mais lágrimas. Nunca mais. Chorara aos pés dele, implorando para que a ouvisse. Só pensar nisso fazia-a encolher-se de mortificação e fúria.
  — Tentei telefonar para o Bill depois que sais-te naquele dia — explicou Tony — para dizer que Whitworth vinha a ameaçar-te e que estavas em apuros, mas ele estava na Itália. Disse à Mary para fazê-lo ligar-me assim que retornasse, mas nunca acreditei que fosses dar de fato a informação ao padrasto dele.
  Lauren percebeu a reprovação na voz do amigo e ergueu os ombros num gesto exausto.
  — Eu não lhe dei o que ele queria. Mas o Bill acha que dei.
  Meia hora depois, Tony e Dominic acompanharam-na até o restaurante, no andar de baixo, que ainda não havia sido aberto para o almoço, e mantiveram-se numa postura protetora atrás da cadeira dela. Lauren logo reconheceu Mike Walsh como o homem que estava com Bill na noite em que caíra literalmente aos pés dos dois. Ele apresentou o homem que o acompanhava como Jack Collins, chefe da Divisão de Segurança da Global em Detroit. Depois os recém-chegados sentaram-se do outro lado da mesa, diante dela.
  — A sua mala — disse Mike, entregando-a. — Gostaria de conferir o conteúdo?
  Lauren teve o cuidado de manter o rosto totalmente inexpressivo.
  — Não.
  — Muito bem — ele disse curto e grosso. — Irei direto ao assunto. Senhora Danner, a Global Industries tem provas suficientes para acusá-la de roubo, conspiração para defraudar a empresa e vários outros crimes graves. Nesse momento, a empresa não vai insistir na sua prisão. Porém, se algum dia tornar a ser vista no prédio da Global Industries, ou em qualquer uma das suas subsidiárias, a empresa pode e vai processá-la pelos crimes que acabei de citar. Um mandado judicial de prisão já foi preparado. Se for vista nas nossas instalações, esse mandado será assinado e você será presa. Se estiver em outro Estado, insistiremos na extradição.
  Ele abriu um grande envelope de papel pardo e retirou dele várias folhas.
  — Esta é uma carta que declara os termos que acabei de expor. — Entregou-lhe uma cópia da carta, junto com um documento de aparência legal. — Isto... — indicou o documento — ... é uma proibição, assinada pelo tribunal, que torna agora para si ilegal até mesmo pôr o pé em qualquer propriedade da Global. Entendeu?
  — Perfeitamente — respondeu Lauren, erguendo o queixo em silenciosa rebelião.
  — Tem alguma pergunta?
  — Sim, duas. — Ela levantou-se e virou-se para dar um beijo afetuoso na face de Tony e outro na de Dominic. Sabia que desmoronaria sob a tensão de uma despedida sentimental; despedia-se dos dois amigos agora, quando era mais fácil. Tornou a virar-se para o advogado e perguntou: — Onde está o meu carro?
  Mike indicou com a cabeça a porta do restaurante.
  — O senhor Collins trouxe-o até aqui. Está estacionado à porta. Qual é a outra pergunta?
  Lauren ignorou o advogado e perguntou a Jack Collins:
  — Foi o senhor que descobriu todas essas “provas” contra mim?
  Apesar da palidez, Jack Collins tinha olhos inquisitivos e penetrantes.
  — Um homem que trabalha para mim realizou as investigações enquanto eu estava no hospital. Por que pergunta, senhora Danner? — Quis saber, encarando-a com muita atenção.
  Lauren pegou a mala na mesa.
  — Porque não fez um trabalho muito bom. — Despregou os olhos de Jack Collins e conseguiu dar um breve sorriso lacrimoso a Tony e Dominic. — Até logo — disse em voz baixa. — E obrigada.
  Saiu do restaurante e não olhou sequer uma vez para trás. Os dois homens da Global Industries observaram-na ir embora.
  — Jovem de beleza estonteante, não é? — Comentou o advogado.
  — Linda — concordou Jack Collins, juntando as sobrancelhas numa expressão pensativa.
  — Mas tão traiçoeira e trapaceira quanto linda.
  O diretor da Segurança uniu ainda mais as sobrancelhas.
  — Será mesmo? Encarei-a nos olhos o tempo todo. Parecia furiosa e magoada. Não parecia culpada.
  Mike Walsh levantou-se impaciente da cadeira.
  — É culpada. Se não pensa assim, vá ver as provas que o seu assistente reuniu contra ela.
  — Acho que farei isso mesmo — disse Jack.
  — Faça mesmo! — Intrometeu-se Tony, indignado e descaradamente escutando às escondidas. — Depois venha conversar comigo e eu contarei a verdade. Whitworth obrigou-a a fazer isso!
  Bill recostou-se na cadeira, atento à entrada do escritório de Jack Collins, Mary, Jim e Tony. Concordara com essa reunião sobre Lauren apenas porque Jack insistira que era de vital necessidade pelo bem da empresa, no caso de ela decidir processá-los.
  Processá-los por quê, pensou Bill, cheio de amargura. Quem lhe dera estar em outro lugar naquele momento. Em qualquer outro lugar. Iam falar sobre ela, e ele teria de ouvir. Lauren fora embora fazia um mês e ainda não conseguira arrancá-la da sua mente.
  Não parava de imaginar erguer os olhos e vê-la a entrar ali, o bloco de estenografia e a caneta na mão, pronta para anotar as suas instruções.
  Na semana anterior, achava-se profundamente absorto no novo balanço financeiro da empresa, e de repente uma mulher na receção rira. Soara como a risada baixa e musical de Lauren, que o impulsionou a levantar-se com um ímpeto da cadeira e pretendera arrastá-la até o seu escritório para avisá-la pela última vez de que se mantivesse afastada. Mas quando se dirigira à área da receção e vira que se tratava de outra mulher sentira o coração afundar.
  Precisava de um descanso, de um pouco de tranquilidade e do tipo certo de diversão. Vinha esforçando-se com demasiado empenho na tentativa de expulsá-la dos pensamentos, trabalhando até ficar com a mente e o físico esgotados.
  Tudo isso ia mudar agora. Em poucas horas viajaria até Chicago para participar na reunião do comitê de comércio internacional, a reunião que abandonara para sair disparado atrás dela e para a qual marcaram uma nova data a fim de que os membros do comitê concluíssem os negócios que não puderam resolver sem o voto dele. No domingo, dali a três dias, quando se encerasse a reunião, Vicky ia encontrar-se com ele em Chicago, os dois pegariam um avião até à Suíça e lá passariam três semanas. Três semanas consecutivas esquiando durante o dia e fazendo amor à noite deveriam solucionar de forma magnífica todos os seus problemas. Passar mais uma vez o Natal na Suíça, como fizera três anos atrás, também era uma ideia muitíssimo atraente.
  Com quem mesmo o passara há três anos? Ele tentou lembrar-se.
  — Bill — disse Jack Collins —, posso começar?
  — Sim — respondeu, virando a cabeça para as janelas.
  Quanto tempo ainda seria necessário para fazê-lo conseguir apagar a lembrança de Lauren chorando aos seus pés? “Por favor, não faças isso connosco”, ela soluçara. “Eu amo-te tanto.”
  Indolente, girou a caneta de ouro entre os dedos, consciente de que Tony o encarava furioso, à espera da mínima oportunidade para defender Lauren.
  “Defender Lauren”, pensou Bill, com sarcasmo. Que defesa? Porque a jovem tinha origem italiana, Tony automaticamente assumia uma imparcial tendência em favor da traidora. Porque era de uma beleza tão comovente, Tony ficara cego à traiçoeira natureza dela. Não podia culpá-lo, porque ele mesmo ficara tão cego e idiota! Lauren cativara-o, fascinara-o e encantara-o. Desde o início, fora enfeitiçado por ela, tornara-se imbecilizado pelo seu incontrolável e violento desejo por ela...
  — Percebo — estava a dizer Jack Collins — que Lauren Danner é um assunto bastante desagradável para todos vocês, mas os cinco nesta sala já conhecem uns aos outros há muitos anos e não existe nenhum motivo que nos impeça de falarmos abertamente entre nós, existe?
  Como ninguém respondeu, o diretor da Segurança suspirou de frustração:
  — Ora, para mim também ela é um assunto bastante difícil de ser discutido. A investigação sobre ela era em questões técnicas, responsabilidade minha, e vou-lhes contar agora que isso foi feito de forma muito ineficiente. O rapaz que cuidou do controle da segurança quando eu me encontrava no hospital era inexperiente e super precipitado, e isso para descrevê-lo em termos educados. Se eu não tivesse precisado de voltar ao hospital duas vezes desde então, teria examinado o problema antes. Agora que o fiz, — prosseguiu com obstinada determinação, — confesso que ainda não consigo entender a mulher... pelo menos não completamente. Já falei com cada um de vocês em separado. Agora espero que, reunidos, possamos resolver algumas das contradições que continuam a incomodar-me. Talvez cada um de nós tenha uma peça do quebra-cabeça e agora possamos encaixá-las todas. Tony, por enquanto eu vou-me dirigir apenas ao Bill, Mary e Jim. Gostaria que você não fizesse comentários até o fim.
  Tony estreitou os olhos pretos em sinal de impaciência, mas manteve a boca fechada e recostou-se num dos sofás verdes.
  — Agora, então — disse Jack, dirigindo a atenção a Bill, Jim e Mary. — Todos os três me disseram acreditar que Lauren Danner se candidatou a um emprego aqui porque queria espionar para Gordon Whitworth. E todos os três indicaram que ela era uma jovem extremamente inteligente com talentos de estenografia e datilografia superiores. Certo?
  Mary e Jim responderam sim. Bill assentiu com um rude aceno da cabeça.
  — Então a próxima pergunta que eu gostaria de fazer é por que iria uma secretária inteligente e competente ser reprovada em cada teste de escritório que lhe passaram e afirmar jamais ter estado na faculdade quando de fato tem um diploma de mestrado que indica que é uma talentosa pianista? — Como todos permaneceram calados, ele continuou: — E por que iria uma jovem inteligente, com boa formação acadêmica, em busca de um emprego com o intuito de espionar, fazer uma das coisas mais idiotas que eu já vi... Escrever no formulário de inscrição, nos campos reservados aos cargos desejados, os de presidente e gerente de pessoal?
  Jack olhou em volta as expressões reservadas dos ouvintes.
  — A resposta óbvia é que ela não queria o emprego. De fato, fez tudo ao seu alcance para se certificar de que não lhe ofereceriam emprego algum, não fez? — Ninguém respondeu e ele suspirou: — Pelo que sei, ela estava a voltar para o seu carro depois da entrevista, quando conheceu Bill, que intercedeu em seu favor naquela mesma noite. No dia seguinte, Jim entrevistou-a e, numa completa e radical mudança de atitude, a senhora Danner decidiu trabalhar para a K’s e aceitou o trabalho proposto por Jim. Por quê?
  Jim recostou a cabeça no sofá.
 — Eu já disse a si e ao Bill o que Lauren me contou. Ela explicou que conheceu Bill naquela noite, e aceitou o emprego porque queria trabalhar perto dele. E que achava que ele era um simples engenheiro que trabalhava para a Global.
  — E você acreditou? — perguntou Jack.
  — Por que não acreditaria? — respondeu Jim, desgostoso. — Eu vi-a chorar quando descobriu quem na verdade ele era. Sou o mesmo idiota que também acreditou que Whitworth era um parente dela, e que embora o sujeito tivesse lhe pedido para nos espionar, Lauren não iria fazer isso.
  — Na verdade — continuou Jack, curvando a boca com sombria diversão — Whitworth é parente dela. Pesquisei e, segundo a árvore genealógica da família, que remonta a uns treze anos, e se encontra registrada num livro usado sobretudo por ‘esnobes’ da sociedade, os Danner são primos em sétimo ou oitavo grau dos Whitworth.
  O incontrolável estímulo de alegria que Bill sentiu foi no mesmo instante esmagado. Primos ou não, Lauren continuava a ser amante do padrasto dele.
  — Sei, — disse Jack, massageando a têmpora como se tivesse uma dor de cabeça — que a senhora Danner não pediu para ser designada a si, Bill. De fato, sei por Weatherby que ela se opôs inflexivelmente à ideia.
  — Opôs, sim — disse Bill rangendo os dentes.
  Não ia aguentar por muito mais tempo continuar a discutir esse assunto. Falar de Lauren deixava-o muito angustiado.
  — Se ela quisesse de verdade espionar para Whitworth — insistiu Jack —, por que argumentaria contra ser designada a si, quando trabalhar com o presidente lhe teria dado muito melhor acesso a informações confidenciais?
  Bill pegou uma pasta na escrivaninha e começou a ler o seu conteúdo.
  — Ela não quis trabalhar para mim porque discutimos sobre um assunto pessoal. — “Não quis dormir comigo”, acrescentou, apenas na sua mente.
  — Isso não faz sentido — insistiu Jack, firme. — Se vocês haviam discutido, ela deveria ter adorado a oportunidade de retaliar subindo aqui e espionando-o.
  — Nada sobre essa mulher faz sentido — disse Mary, hesitante. — Quando lhe falei da mãe de Bill, ela ficou branca como uma...
  — Eu não tenho tempo para isso! — cortou Bill sem rodeios. — Estou de partida para Chicago. Jack, posso esclarecer tudo em poucas palavras. Lauren Danner veio à K’s para espionar. É amante de Whitworth. Uma mentirosa consumada e uma atriz magnífica.
  Tony abriu a boca para argumentar, e Bill disse numa voz grave, ensurdecedora:
  — Não a defenda, porra! Ela permitiu que eu a apresentasse à minha própria mãe e ao meu padrasto! Ficou ali e deixou-me passar por imbecil, apresentando-a aos cúmplices, um deles o seu amante! Traiu a todos nós, não apenas a mim. Falou a Whitworth sobre Rossi e o fez espalhar os seus homens por toda Casano à procura dele. Forneceu informações de concorrências a Whitworth que vai custar à K’s uma fortuna em lucros. Ela...
  — Não era amante de Whitworth — interrompeu Jack, quando Tony se levantou com um ímpeto para protestar. — Sei que foi isso que o meu investigador lhe disse, mas a verdade é essa: embora Whitworth seja de fato o proprietário do apartamento, só a visitou uma vez, na noite em que a moça chegou, por talvez trinta minutos.
  — A idade de meu padrasto deve estar debilitando a sua capacidade...
  — Pare de falar de Laurie assim! — Tony disse explosivo, furioso. — Eu...
  — Poupe seu fôlego, Tony — Bill rebateu com rispidez.
  — Tenho fôlego de sobra, e agora vou ter o direito de dizer o que sei! Dominic e eu ouvimos o que Whitworth disse a ela no dia em que almoçaram no meu restaurante. Laurie informou-o de cara que vocês iam casar, e de que ia contar-lhe que era parente dele. Assim que disse isso, Whitworth começou a falar que você talvez achasse que eram amantes e talvez acreditasse que foi ela quem deu a informação sobre Casano. Laurie ficou transtornada e respondeu que não tinha lhe contado sobre Casano e que tampouco era amante do sujeito. Então perguntou logo se ele a estava a chantagear. Whitworth disse em meias palavras que sim. E que ficaria calado se ela lhe passasse as informações...
  — O que ela fez — repreendeu Bill — em uma hora! Fez porque pretendia continuar a mentir-me até Whitworth acabar por nos eliminar das concorrências.
  — Não — berrou Tony. — Laurie disse que preferiria morrer a fazer qualquer coisa para prejudicá-lo. Ela...
  Bill bateu a mão com força na mesa ao levantar-se impetuoso.
  — Ela não passa de uma cadela traiçoeira e mentirosa. É só disso que eu preciso saber. Agora, saiam todos daqui!
  — Eu já vou! — Quase gritou Tony, pisando fundo ao atravessar o escritório. — Mas precisas de saber de mais uma coisa. O que fizeste a ela magoou-a mais do que alguém foi magoado na vida. Colocaste-a na rua sem casaco, dinheiro, sem nada, e ela telefonou para Whitworth? Não, andou oito quadras no frio e na chuva para desabar nos meus braços. Portanto, ouve o que tenho a dizer agora... — Empertigou-se até a sua mais impressionante altura e enfiou o chapéu na cabeça — ... de agora em diante, estás fora da minha lista, Bill. Se quiseres comer no meu restaurante, é melhor levares a Laurie contigo!

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Finalmente postei xD
Sorry a demora, não tenho tido paciência para escrever e quando tenho, acontece alguma sena e não tenho tempo...
Se houver alguma sena a soar estranho, é normal, porque não tive paciência para dar uma segunda olhada.
Só há mais um capitulo *-*
Tamos a chegar ao fim :P
Kiss Kiss

PhiK* 

sexta-feira, 18 de maio de 2012

A Pianist Spy - Capitulo 25


Capitulo 25

  Lauren entrou no escritório num estado de raiva fria, assassina. Simone Whitworth queria a “herança” do adorado segundo filho destruindo o que o primeiro construíra. Mais ainda, esperava que ela ajudasse. Estava a ser chantageada, e ela sabia que a chantagem jamais teria um fim. Os Whitworth eram ambiciosos, grosseiros e inescrupulosos. Antes de serem liquidadas, as indústrias da K’s tornar-se-iam em mais uma parte da herança de Carter.
  Alguns minutos depois, o telefone na sua mesa tocou. Automaticamente, ela atendeu.
  — Detesto apressá-la, minha querida — chegou a voz suave de Gordon —, mas quero essa informação ainda hoje. Trate de descobrir os lances que preciso em algum lugar no departamento de Engenharia. Se eu puder ter a folha principal, seria perfeito.
  — Farei o melhor que puder — respondeu ela, com a voz uniforme.
  — Excelente. Muito sensato. Encontro-a lá em baixo, em frente do prédio, às quatro da tarde. Desça e atravesse a correr o saguão, eu esperarei no carro. Não demorará dez minutos.
  Lauren desligou o telefone e atravessou os escritórios até o departamento de Engenharia. Por enquanto, não tinha qualquer preocupação de estar a agir de forma suspeita. Tão logo Jim retornasse, ela própria contaria o que tinha acontecido. Talvez ele até a ajudasse com o Bill.
  — O senhor Williams queria os arquivos desses quatro projetos — disse à secretária do departamento.
  Em questão de minutos, tinha os quatro nas mãos. Levou-os de volta para a sua mesa. Na frente de cada um, a folha principal mostrava o nome do projeto, um resumo do equipamento técnico que seria fornecido, se o contrato fosse concedido à K’s, e a quantia que a empresa oferecia.
  Ela retirou as folhas e foi até à fotocopiadora, depois levou as cópias e os originais de volta à mesa. Devolveu os originais aos arquivos e, com um corretor, com todo o cuidado e calma, mudou os valores que a K’s oferecia, aumentando cada número em vários milhões de dólares. Embora o corretivo fosse visível nas cópias com que trabalhava, quando tirou outras cópias, ele ficou invisível e as mudanças, impossíveis de serem detetadas. Lauren ia afastar-se da fotocopiadora quando um rapaz de rosto redondo se adiantou.
  — Com licença — ele disse. — Sou da empresa que presta serviços de manutenção a essa fotocopiadora, que parece ter tido problemas o dia todo. A senhora importar-se-ia de passar de novo os originais pela máquina para eu ver se está a funcionar bem?
  Uma vaga inquietação agitou-se nela, mas a máquina realmente vinha apresentando defeitos com regularidade, e por isso cedeu. O rapaz retirou as cópias da bandeja assim que saíram, olhou-as e assentiu com a cabeça.
  — Parece que desta vez consertaram-na mesmo — disse.
  Lauren viu-o colocar as cópias na cesta do lixo ao afastar-se.
  Mas não o viu abaixar-se para apanhá-las um instante depois.
  Enquanto Lauren atravessava o saguão, um Cadillac parou junto ao passeio. A janela ao seu lado baixou automaticamente e ela curvou-se para entregar o envelope a Gordon.
  — Espero que entenda como isso é importante para nós — ele começou — e...
  A fúria bramiu-lhe de cima a baixo, gritando-lhe nos ouvidos. Após girar nos calcanhares, ela voltou a correr para o prédio. Quase se chocou com o rapaz de rosto redondo, que escondeu às pressas uma câmara fotográfica nas costas.

***

  — Graças a Deus, voltou! — desabafou Mary no fim da tarde de quarta-feira, quando Bill entrou apressado no escritório, seguido por Ericka e Jim. — Mike Walsh precisa falar com você imediatamente. Disse que é uma emergência.
  — Mande-o subir — respondeu Bill. — E depois venha juntar-se a nós para um brinde. Vou levar Lauren a Las Vegas para nos casarmos. O avião está a ser reabastecido e inspecionado neste instante.
  — Lauren sabe disso? — perguntou Mary, franzindo a testa. — Ela está lá em baixo, no escritório de Jim, mergulhada em trabalho.
  — Eu a convencerei da sensatez do plano.
  — Depois do avião levantar voo, ela não terá mais nenhuma opção — contribuiu Ericka, com um sorriso de quem sabe das coisas.
  — Isso mesmo. — Bill riu, muito bem-humorado. Sentira tanta saudade dela que lhe telefonara três vezes por dia, como um adolescente apaixonado. — Fiquem à vontade — acrescentou, virando-se para trás. Estendeu o braço até um extenso armário que continha várias mudas de roupa e tirou de lá uma camisa limpa.
  Cinco minutos depois, saiu da casa de banho recém-barbeado e deu uma espiada em Mike Walsh e no rapaz de rosto redondo em pé perto do sofá, onde se achavam sentados Jim e Ericka.
  — O que aconteceu, Mike? — perguntou Bill, encaminhando-se para o bar e tirando uma garrafa de champanhe, de costas para os outros.
  — Há um vazamento de informações no projeto Rossi — começou o advogado, cauteloso.
  — Certo. Eu disse isso a si.
  — Os sujeitos em Casano que tentavam encontrar Rossi são homens de Whitworth.
  Apenas houve uma momentânea imobilidade na mão de Bill enquanto ele desenroscava o arame da rolha de plástico do champanhe denunciou a tensão ao ouvir o nome de Whitworth.
  — Continue — insistiu sem se alterar.
  — É evidente — prosseguiu o advogado — que uma mulher na nossa folha de pagamentos está a espionar para o Whitworth. Tomei providências para que o Rudy escutasse na extensão do telefone do escritório dela e a mantivesse sob vigilância.
  Bill pegou em quatro taças de champanhe do bar, a sua mente passeou pelo sorriso de Lauren, o seu lindo rosto. Esta ia ser a noite do casamento dos dois. E depois, ele, apenas ele, teria o direito de agarra-la nos braços, unir o corpo, faminto, com o dela, beijá-la e acariciá-la...
  — Estou a ouvir — mentiu. — Continue.
  — Ontem ela foi fotografada a passar a ele cópias de quatro das propostas da concorrência da K’s. Temos na nossa posse um conjunto das cópias que ela passou a Whitworth para usarmos no processo.
  — Aquele filho da... — Bill conteve o arrebatamento de fúria, tentando não deixar a animosidade por Gordon Whitworth estragar-lhe o bom humor. Era o dia do seu casamento. Friamente, disse: — Jim, eu vou fazer o que devia ter feito há cinco anos. Vou tirá-lo do mercado. De agora em diante, quero que a K’s entre em todas as concorrências que ele entrar e quero que você apresente uma quantia abaixo do custo. Ficou claro? Quero que aquele canalha pare de me importunar!
  Depois que Jim murmurou um assentimento, Mike continuou:
  — Podemos emitir um mandado de prisão para a rapariga. Já discuti a questão com o juiz Spath, e ele prontificou-se a fazer isso assim que der a ordem.
  — Quem é ela? — perguntou Jim, quando Bill pareceu mais interessado em servir champanhe nas taças.
  — É a amante de Whitworth! — irrompeu Rudy, entusiasmado, desprendendo na voz pomposa uma veia de presunção. — Investiguei pessoalmente. A dama mora como uma rainha num elegante condomínio em Bloomfield Hills que Whitworth arca com os custos. Também se veste como uma modelo e...
  O horror explodiu no peito de Bill e todo o seu corpo retesou-se contra a agonizante certeza que já lhe martelava o cérebro. Formulou na sua mente a pergunta, mas antes de conseguir forçar as palavras a saírem, teve de apoiar as mãos no balcão do bar. Com as costas ainda voltadas para eles, sussurrou:
  — Quem é ela?
  — Lauren Danner — respondeu o advogado, impedindo mais uma descritiva efusão do impulsivo rapaz da segurança. — Bill, sei que ela tem trabalhado para si pessoalmente e que é a jovem que praticamente caiu aos seus pés naquela noite. A publicidade envolvida na prisão dela irá sem sombra de dúvida desencorajar qualquer outra pessoa que pense em nos espionar, mas esperei para falar consigo antes de dar seguimento à acusação formal. Devo...?
  A voz de Bill saiu sufocada de fúria e dor:
  — Volte para o seu escritório — ordenou — e espere lá. — Sem se virar, lançou a cabeça na direção de Rudy. — Tire-o das minhas vistas e mantenha-o fora daqui... para sempre!
  — Bill... — Jim interpelou-o por trás.
  — Fora! — vociferou Bill, a voz açoitando como o estalo de uma chibatada, depois, assumindo perigoso controle: — Mary, ligue para Lauren e mande-a estar aqui em dez minutos. Depois vá para casa. São quase cinco horas.
  No silêncio sepulcral que se seguiu à partida de todos, Bill endireitou o corpo diante do bar e mandou fora o champanhe que servira para comemorar o seu casamento com um anjo. Uma princesa de risonhos olhos azuis que entrara na sua vida e virara-a de cabeça para baixo. Lauren espionava-o, traía-o com Whitworth. Era a amante de Whitworth.
  Do coração veio um grito de negação, mas a mente sabia que era verdade. Isso explicava a forma como a jovem vivia, as roupas que usava.
  Lembrou-se de que a apresentara a Whitworth na noite de sábado e, ao recordar a maneira como Lauren fingira não o conhecer, sentiu-se como se fosse rebentar em milhões de pedaços. Fúria e angústia precipitavam-se-lhe pelas veias como ácido. Queria apertá-la nos braços e fazê-la dizer que não era verdade; queria despejar nela todo o amor que tinha dentro de si até não haver mais espaço no coração e no corpo dela para ninguém além dele.
  Queria estrangulá-la pela traição, matá-la com as próprias mãos.
  Queria morrer.
Lauren olhou de relance para os três guardas da segurança em pé na área de receção privada de Bill, enquanto apertava o passo até a sala dele. Os homens observavam-na, desprendendo nas expressões uma estranha atenção e desconfiança. Ela deu um leve sorriso ao passar por eles, mas apenas um retribuiu o cumprimento... acenou com uma curta e inamistosa inclinação da cabeça.
  Na porta do escritório de Bill, parou para ajeitar os cabelos. A mão tremia com uma mistura de deleite por vê-lo e medo de como ele reagiria quando lhe falasse do envolvimento com Gordon. Pretendera só lhe contar à noite, depois que ele houvesse tido tempo para relaxar, mas agora que Gordon começara a chantageá-la, precisava lhe contar sem demora.
  — Bem-vindo de volta — disse ela, entrando no escritório. Em pé diante da janela, com uma das mãos apoiada na moldura e de costas para a porta, Bill contemplava a cidade do outro lado. As cortinas estavam fechadas sobre o restante da parede de vidro e nenhuma das luzes fora acesa para dissipar a obscuridade de uma prematura noite escura e chuvosa.
  — Fecha a porta — disse ele em voz baixa. A voz pareceu estranha, mas, como ele estava de costas, ela não pôde ver o rosto dele. — Sentiste saudades de minhas, Lauren? — perguntou, sem se virar.
  Ela sorriu da pergunta que ele sempre fazia quando passava algum tempo longe.
  — Senti — respondeu, deslizando com ousadia os braços pela cintura dele.
  O corpo de Bill pareceu retesar-se a esse toque e, quando ela esfregou o rosto contra aquelas costas largas e musculosas, sentiu-as duras como ferro.
  — Quanta saudade sentiste por mim? — sussurrou Bill com voz sedosa,
  — Vira-te, que eu mostro. — provocou ela.
  Ele baixou a mão da janela e virou-se. Sem olhá-la, encaminhou-se para o sofá e sentou-se.
  — Vem cá — convidou-a, a voz nivelada. Obediente, Lauren foi até o sofá, parou diante de Bill e baixou os olhos para o bonito rosto ensombrecido, tentando entender aquele humor estranho. Bill tinha a expressão impassível, quase arredia, mas quando ela ia sentar-se ao seu lado, ele agarrou-lhe o pulso e puxou-a para o seu colo.
  — Mostra-me o quanto me queres — instigou-a.
  Um estranho tom na voz dele fez um inexplicável frio percorrer a espinha de Lauren de cima a baixo, mas que foi logo reprimido pela dominante insistência da boca do amante na dela. Beijou-a de forma completa, hábil, e, sentindo-se impotente, Lauren rendeu-se às tórridas exigências daqueles lábios. Bill sentira falta dela. Os seus dedos ágeis já estavam a desabotoar-lhe a blusa de seda, retirando o sutiã para expor os seios quando a deitou no sofá e cobriu-lhe o corpo seminu com o dele. Excitou-lhe com a perícia da língua os seios e mamilos endurecidos, insinuou a mão sob a saia e baixou-lhe a cuequinha de renda.
  — Queres-me agora?
  — Quero — arquejou Lauren, contorcendo-se sob o corpo dele.
  Segurou-lhe os cabelos pelas raízes com a mão livre e apertou-a.
  — Então abre os olhos, querida — ele ordenou em voz baixa. — Quero ter a certeza de que sabes que sou eu em cima de ti, e não Whitworth.
  — Bill...!
  O grito frenético de Lauren foi sufocado quando Bill se levantou de um salto, torceu a mão nos cabelos dela e cruelmente ergueu-a consigo.
  — Por favor, ouve-me! — gritou Lauren, aterrorizada com a raiva sombria, o violento ódio em chamas nos olhos dele. — Eu posso explicar tudo, eu...
  Um grito baixo de dor rompeu da sua garganta quando Bill intensificou o aperto nos cabelos, girou-lhe a cabeça e baixou-a.
  — Explica isto — ele ordenou num sussurro apavorante. O olhar dela imobilizou-se de terror nos papéis espalhados na mesa de centro: cópias das quatro propostas de projetos que dera a Gordon, fotografias em preto e branco ampliadas mostravam-na curvada sobre a janela do carro de Gordon, a placa na traseira do Cadillac e o registro do estado de Michigan apontando Gordon Whitworth como o dono do veículo.
  — Por favor, eu amo-te! Eu...
  — Lauren — ele interrompeu-a com uma voz ameaçadoramente baixa. — Continuarás a amar-me daqui a cinco anos, quando tu e o teu amante saírem da prisão?
  — Ah, Bill, por favor, ouve-me — ela implorou, arrasada. — Gordon não é meu amante, é um parente. Enviou-me à K’s para que eu me candidatasse a uma vaga, mas juro que jamais contei algo a ele. — A raiva desfez-se do rosto de Bill, substituída por um terrível desprezo que a angustiou tanto que as palavras saíram num desconexo frenesim: —Até... até nos encontrarmos no baile, ele deixou-me em paz, mas agora está a tentar chantagear-me. Ameaçou dizer-te mentiras se eu não...
  — O teu parente — repetiu ele com gélido sarcasmo. — O teu parente está a tentar chantagear-te.
  — Sim! — Lauren tentava explicar de maneira febril. —Gordon estava certo de que pagavas a alguém para espioná-lo, por isso mandou-me para aqui para descobrir quem era e...
  — Whitworth é o único a pagar a um espião — ele escarneceu, em tom mordaz. — E a única espiã aqui és tu! — Soltou-a e tentou empurrá-la, mas ela agarrou-o.
  — Por favor, ouve — implorou Lauren. — Não faças isso connosco!
  Bill desprendeu-lhe com força os braços, e Lauren caiu no chão, os ombros fustigados por profundos soluços engasgados.
  — Eu amo-te tanto — chorou, beirando a histeria. — Por que não queres ouvir-me? Por quê? Estou a implorar que apenas ouças o que tenho a dizer.
  — Levanta-te! E abotoa a blusa — ordenou Bill com rispidez, a caminho da porta.
  Com o peito subindo e descendo com soluços convulsivos e silenciosos, ela endireitou as roupas, apoiou a mão na mesa de centro e tomou um lento impulso para levantar-se.
  Bill escancarou a porta e os guardas da segurança adiantaram-se.
  — Levem-na daqui — ele ordenou, com a voz gélida. Lauren arregalou os olhos em paralisado terror para os homens que vinham decididos na sua direção. Iam levá-la para a cadeia. Disparou o olhar para Bill, implorando em silêncio pela última vez, que a ouvisse, acreditasse nela, parasse aquilo.
  Com as mãos nos bolsos, ele retribuiu-lhe o olhar sem pestanejar, nas feições cinzeladas, uma máscara de pedra, os olhos como lascas de gelo cinza. Apenas o músculo contraído na mandíbula cerrada com força traía o fato de que sentia alguma emoção.
  Os três guardas cercaram-na armados, e um deles agarrou-a pelo cotovelo. Lauren soltou-se com um gesto brusco. — Não me toque!
  Sem olhar para trás, saiu com eles do escritório e atravessou a área de receção silenciosa, deserta.
  Quando a porta se fechou atrás dela, Bill retornou ao sofá. Sentou-se com os antebraços apoiados nos joelhos e encarou a foto em preto e branco ampliada de Lauren entregando a Whitworth as cópias roubadas das propostas.
  Era muito fotogênica, pensou com uma pontada de dor. Ventava muito, mas ela não se preocupara em vestir um casaco. A foto captara as delicadas feições de perfil com o vento açoitando-lhe os cabelos num glorioso abandono.
  Era uma foto de Lauren, traindo-o.
  Sentiu um músculo contrair-se em movimentos convulsivos na garganta quando engoliu a opressão ali. A fotografia devia ter sido feita a cores, concluiu. Simples preto e branco não captava a tez rósea, os realces dourados nos belos cabelos, nem a cintilação dos vividos olhos turquesa.
  Bill cobriu o rosto com as mãos.
  Os guardas escoltaram Lauren pelo saguão de mármore, ainda repleto de funcionários que saíam mais tarde. No meio de tantas pessoas, ela foi poupada da humilhação de espectadores curiosos. Todos os demais voltavam para casa, absortos nos seus próprios pensamentos. Não que Lauren se importasse em especial com quem testemunhasse aquela vergonha, no momento, nada lhe importava.
  Escurecera e chovia, mas ela mal sentia a saraivada gelada das gotas de chuva contra a fina blusa de seda. Desinteressada, olhou à procura de um carro de polícia à espera no passeio, mas não viu nenhum. O guarda à esquerda e o de trás recuaram. O da direita também se virou para partir, depois hesitou e perguntou:
  — Não tem casaco, senhora?
  Lauren encarou-o com os olhos entorpecidos de dor.
  — Tenho — respondeu, imbecilizada.
  Tinha um casaco, mas deixara a bolsa no escritório de Jim. O guarda olhou hesitante o passeio, como se esperasse que alguém fosse encostar e oferecer uma boleia a ela.
  — Eu irei buscar para a senhora — disse, e regressou ao prédio com os companheiros.
  Lauren ficou na calçada, a chuva deixando os seus cabelos escorridos e desferindo-lhe gotas que pareciam agulhas de injeção. Parecia que não iam levá-la para a prisão, afinal. Não sabia para onde ir, nem como voltar para casa sem dinheiro ou chaves. Numa espécie de transe, virou-se e saiu andando a esmo pela avenida Jefferson, e logo uma figura conhecida saiu apressada do prédio em sua direção. Por um instante, a esperança lampejou e acendeu-se com um doloroso brilho.
— Jim! — chamou, quando ele e Ericka iam passar por ela sem vê-la.
  Jim virou-se de repente, e Lauren sentiu um frio no estômago ao ver a fúria acusadora no único olhar áspero que ele deslizou sobre ela.
  — Não tenho nada a dizer-te — respondeu agressivo. Toda a esperança extinguiu-se no íntimo de Lauren, e com essa extinção veio um abençoado torpor. Girou nos calcanhares, enfiou as mãos geladas nos bolsos da saia de tweed e continuou a seguir pela rua. Seis passos depois, Jim agarrou-lhe o braço e virou-a.
  — Toma — disse, com a expressão tão hostil quanto antes. — Toma o meu casaco.
  Lauren soltou o braço.
  — Não me toque — disse com toda a calma. — Nunca mais quero ser tocada.
  O alarme lampejou no seu olhar antes dele extingui-lo.
  — Toma o meu casaco — repetiu curto e grosso, já começando a despi-lo. — Vais morrer congelada.
  Ela não via nada desagradável na perspetiva de morrer congelada. Ignorando a mão estendida de Jim, ergueu o olhar para ele.
  — Você acredita no que Bill acredita?
  — Em cada palavra — declarou.
  Com os cabelos colados na cabeça e a chuva golpeando-lhe o rosto virado para cima, Lauren disse com grande dignidade:
  — Nesse caso, não quero o seu casaco. — Ia virar-se e, então, parou. — Mas pode dar ao Bill um recado meu quando ele acabar por descobrir a verdade. — os seus dentes tiritavam quando disse: — Di-diga-lhe que jamais se torne a aproximar de mim. Diga-lhe para ficar longe de mim!
  Sem pensar aonde ia, percorreu automaticamente as oito quadras ao encontro das únicas pessoas que a receberiam sem puni-la. Foi ao restaurante de Tony.
Com os nós dos dedos congelados, bateu na entrada dos fundos. A porta abriu-se e Tony fitou-a, o smoking em destoante contraste com o barulho e o vapor da cozinha atrás.
  — Laurie? — ele disse. — Laurie! Dio mio! Dominic, Joe — gritou —, venham rápido!

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Eu sei :x
O Bill foi pessimamente mau com a Lauren...
Tipo, eu até chorei com este capitulo, e fico com um aperto no estomago cada vez que o releio... x_x
Enfim, se a Lauren nao o desculpar pelo que ele lhe fez quando ele descobrir a verdade, nao a culpem, porque ela tem toda a razao ...
WTV ><
Tou com vontade de dar porrada no Bill, again...
xD

Kiss kiss

PhiK*